O heroísmo de Brizola
Tenho passado a maior parte das minhas melhores horas pesquisando em arquivos históricos, em bibliotecas com belas coleções de livros cada vez mais raros e entrevistando remanescentes de episódios incandescentes da vida brasileira. A história para mim é um grande romance, o melhor dos romances, aqueles em que os fatos e as intrigas não precisam ser inventados, mas recolhidos, o que lhes dá transcendência e aura. Faço, cada vez mais, romances de não ficção ou quase romances. Foi assim com "Getúlio" e mais ainda com "1930: Águas da Revolução". É assim com meu novo livro, "Vozes da Legalidade - Política e Imaginário na Era do Rádio". É pura história na veia.
Meu livro conta a história, vivida entre 25 de agosto e 7 de setembro de 1961, há 50 anos, da brava resistência comandada pelo governador do nosso Estado, Leonel Brizola, de metralhadora a tiracolo e microfone aberto, contra o golpe pretendido pelos ministros militares, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, contra o vice-presidente da República, o gaúcho João Goulart. Brizola mostrou que era de faca na bota. Não se abaixou diante de ninguém. O episódio da Legalidade, assim como a Revolução de 1930, mostra um Rio Grande do Sul disposto a lutar até a morte para ser Brasil e para melhorar o Brasil. "Vozes da Legalidade" conta a história do menino Itagiba, que seria Leonel e Leonel Brizola, mas conta também a história da Rádio Guaíba, cabeça da rede da Legalidade, e de uma geração de jornalistas, radialistas, políticos, artistas e tantos outros, gente que está por aí na faixa entre 70 e 80 anos de idade.
Vou confessar para vocês: ao longo da pesquisa, lendo e principalmente ouvindo os discursos de Brizola, eu ficava arrepiado. Que tempos! Que homem! Meu livro conta a história de quatro civis (Jânio Quadros, João Goulart, Carlos Lacerda e Leonel Brizola) e dois militares, o general Machado Lopes, comandante do III Exército, sediado em Porto Alegre, e Odylio Denys, ministro da Guerra. Mas narra também o papel da nossa Brigada Militar, dos outros ministros fardados e de uma juventude destemida que saiu às ruas para defender a Constituição. Por que não comemoramos todos os anos com festas a Revolução de 1930 e a Legalidade, que procuraram nos ligar ao Brasil? A Revolução de 1930 e a Legalidade foram progressistas e muito "brasileiras". Jango e Brizola ampliaram a sensibilidade social de Getúlio.
A Legalidade foi certamente o mais popular de todos os nossos movimentos. Getúlio Vargas e Leonel Brizola, cada um do seu jeito, contaram mais para a brasilidade do que seus antecessores. Pelo que foi a Legalidade, Brizola poderia ser considerado o maior herói gaúcho na história brasileira. Mostrou coragem e idealismo. Ele e Jango, que de fraco nada tinha, tendo sido, mais tarde, derrubado pelos seus acertos, não por suas falhas, cometeram um grande erro: querer acelerar as reformas de um país ainda cruelmente desigual numa época em que o conservadorismo civil não se constrangia em buscar tutela fardada.
créditos: Juremir Machado da Silva juremir@correiodopovo.com.br